A
Agenda21, estabelecida nesse primeiro momento, trazia uma série de
avanços importantes em relação aos direitos humanos, direitos das
mulheres, da juventude, e direitos sexuais e reprodutivos. Esta pequena
vitória foi fruto de fortes articulações entre lobistas, ativistas e
negociadores ligados a movimentos de mulheres e movimentos feministas
durante tal processo. Na Rio+20, que deve se encerrar nesta
sexta-feira, porém, a história tem sido outra. O bloco de países G77,
apoiado pelo Vaticano, tem ameaçado seriamente o futuro dos direitos
sexuais e reprodutivos nas discussões sobre o texto do documento final
da Rio+20.
Mas como? O documento não é só um pedaço de papel?
Não.
O “pedaço de papel” que é esse documento final é uma espécie de
orientação geral dos países-membros da ONU (a grande maioria no mundo)
para diversos tipos de política. A ONU não é um governo de todos os
governos e não está acima de nenhum deles. É como se fosse um grêmio de
todos os governos, um espaço diplomático onde chega-se a consensos,
acordos e orientações comuns. Os governos, portanto, são a ONU. São eles
que fazem a ONU. Esse documento indica, portanto, a linha política que
será reforçada. Governos se comprometem com ele e ele pode ser cobrado.
Existe portanto uma importância política neste processo.
Mas o que exatamente está acontecendo com os direitos das mulheres e da juventude na Rio+20?
Na
ONU, as cláusulas e resoluções são definidas por consenso
primordialmente nas negociações, realizadas por negociadores oficiais
dos governos. Um texto final é encaminhado aos chefes de Estado (como a
Dilma) para que estes então aprovem e/ou revoguem trechos, se preciso
votando. Há muita articulação, porém, por trás disso, para que eles
cheguem lá na hora e sustentem a linha que os negociadores vinham
seguindo. Em geral, os pontos que são consensuais nas negociações
prévias são apenas aprovados, enquanto pontos destacados pelos comitês
de negociação como não-consensuais são rediscutidos e votados. Pois é
isto que está, neste exato momento, acontecendo.
O texto que está até então aprovado, contestado pelo Vaticano e G77 diz mais ou menos o seguinte sobre “Saúde e População”:
“Reivindicamos
a complete e efetiva implementação da Plataforma de Ação de Pequim, do
Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento e as resoluções de suas conferências de revisão,
incluindo os comprometimentos que buscam a saúde sexual e reprodutiva e a
promoção e proteção de todos os direitos humanos nestes contextos.
Enfatizamos a necessidade de que se providencie acesso universal à saúde
reprodutiva, incluindo planejamento familiar e saúde sexual, assim como
a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais.
Nos
comprometemos a reduzir a mortalidade maternal e infantil, e melhorar a
saúde das mulheres, homens, jovens e crianças. Reafirmamos nosso
compromisso com a igualdade de gênero e a proteção dos direitos de
mulheres, homens e jovens a terem controle e decidirem livremente e
responsavelmente sobre sua sexualidade, incluindo acesso à saúde sexual e
reprodutiva sem coerção, discriminação ou violência. Trabalharemos
ativamente para garantir que os sistemas de saúde ofereçam a informação e
os serviços necessários relativos à saúde sexual e reprodutiva das
mulheres, buscando inclusive o acesso universal a métodos de
planejamento familiar modernos e aceitáveis, que sejam seguros, efetivos
e economicamente viáveis, uma vez que isto é essencial para a saúde das
mulheres e para o avanço rumo à igualdade de gênero.”
A
proposta do G77 (bloco de países) e do Vaticano é cortar o primeiro
parágrafo aqui citado por inteiro e, como se isso não bastasse, retirar
as especificações em relação a “jovens” do segundo. No texto original a
especificação “adolescentes” ainda figurava, mas esta batalha já
perdemos. O que preocupa todas e todos as ativistas e os ativistas de
gênero, direitos humanos e juventude é perder esta especificação. Pra
fechar com chave de ouro, estes governos do G77 e o Vaticano ainda
querem cortar as menções à “saúde sexual de reprodutiva” e substituir
somente por “saúde”, e cortar tudo que fala de “planejamento familiar”.
E eu com isso?
Como é notório pelas últimas políticas propostas no Brasil sobre o tema,
como o Projeto Cegonha, cadastro de gestantes, a proibição do parto em
casa e agora pelo Estatuto do Nascituro, já estamos em vias de sofrer
estes ataques e termos nossos direitos (ao próprio corpo, à própria
gravidez, etc) tirados. Para além das mulheres cissexuais, que em geral
têm a possibilidade de engravidar, o texto como querem Vaticano e G77
ainda são nocivos para outros grupos como transexuais, homens e mulheres
jovens, adolescentes, comunidade LGBT, etc. Sem estas poderosas
menções, não teremos comprometimento oficial nenhum de nosso governos – e
de outros – com estas questões que afetam diretamente nossas vidas.
Mas o que posso fazer?
No momento, a pressão precisa ser feita diretamente sobre chefes de
Estado, para que não deixem estas modificações serem aprovadas. Aqui no
Brasil, especificamente, precisamos que a opinião pública se fortaleça
contra estes cortes, fazendo com que nossa Presidenta Dilma Roussef e
sua equipe de governo não aceitem esta atrocidade e mantenham-se firmes
durante as negociações.
Para
isto, repasse estas preciosas informações. Tuite sobre isso, escreva
sobre isso, reposte este e outros textos que encontrar sobre o assunto.
Envie estas informações a pessoas influentes ou não, comunicadores,
jornalistas, veículos de comunicações, blogueiros, ONGs, movimentos
sociais. A internet tem sido uma poderosa ferramenta de pressão no
Brasil e chegou a hora de a usarmos novamente.
Camila Silveira
Contatos:
twitter: www.twitter.com/camilace
(85)8866-6035
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