domingo, 24 de abril de 2011

Existe padrão de beleza entre as mulheres do cenário alternativo?



Por Mabel Dias

Geralmente é pela manhã que me dão uns “estalos” na mente, de onde brotam reflexões sobre momentos/temas que discuto ou vivencio. E na manhã deste domingo, 24, acordei com a seguinte reflexão: existe padrão de beleza entre as mulheres do cenário alternativo? Infelizmente, cheguei à conclusão que sim. Lancei o questionamento no facebook (página de relacionamentos virtuais na internet) e algumas pessoas se pronunciaram, concordando comigo.
Pois é, se em um cenário alternativo onde podemos nos vestir e agir como somos encontramos moldes estéticos parecidos com o que existe na sociedade que questionamos, o que fazer então? Continuar refletindo até conseguirmos quebrar com isto? Queremos quebrar com isto? Certa vez, uma garota chegou para mim e disse que foi muito discriminada na adolescência porque não estava dentro dos padrões de beleza da turma com quem ela andava. Resultado: tem traumas até hoje e não sai de casa sem estar maquiada. Pegando o gancho nesta história, me vem a mente o preconceito que sofrem as mulheres negras, devido ao seu cabelo crespo. A maioria lida bem com isto depois que cresce, mas ainda carrega mágoas ou traumas dos preconceitos que sofreu quando era pequena. Há casos de crianças negras que negam sua cor, sua identidade porque acham o padrão branco bonito e o negro feio. Vejam só!
Não é apenas este padrão de beleza que vemos nas Tvs, revistas, internet, etc, que está inserido dentro do meio alternativo. O próprio cenário alternativo cria padrões de como se vestir e agir. Por exemplo, observei algumas vezes que aquela menina que tem mais piercing ou tatuagens, ou que usa uma camisa “transada” ou com estampa de banda que a maioria gosta, ser mais bem aceita do que aquela que não tem/usa nada disto. Rola uma aproximação maior com esta que está com piercing e tatuagens do que com a que não tem.
Muitas vezes estes comportamentos acontecem de maneira despercebida, inconsciente. As meninas gordas também são discriminadas. O fato de não querer uma aproximação maior ou amizade com ela já demonstra este tipo de preconceito. Conheço outro caso de uma amiga que recebeu inúmeros xingamentos por discordar de algumas atitudes e foi discriminada só pelo fato de ser gorda. O caso dela foi bem sério e veio de um movimento que não dava para esperar que viesse: o anarcopunk.
É realmente lamentável que este tipo de comportamento aconteça entre as mulheres alternativas, que até questionam este padrão de beleza que é vendido diariamente pela mídia; porém, acabam por reproduzi-lo. Parece que fazemos todo um discurso, mas nossa prática sai totalmente da rota que nos propomos a seguir: nos debates que realizamos, nos zines/blogs que escrevemos, etc. Ser à margem realmente não é fácil. Mas não custa nada nos atentarmos a isto e sermos um pouco autocríticas e não reproduzirmos aquilo que discordamos e sabemos, causa problemas a nós mesmas, pois para se chegar a este padrão (que não é nada aceitável), muitas mulheres acabam ficando anoréxicas ou bulímicas, fazendo tratamentos estéticos para ficar com o rosto claro, alisando os cabelos, enfim, se utilizando de toda a industria da estética e da moda para poder ser aceita pela sociedade. Fica aqui o debate.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Feminicídio - aumento do assassinato de mulheres no Brasil

Gilmara de Oliveira, 28 anos, celebra a primeira gravidez. Fernanda Martins, 32, escolhe vestidos para levar as três filhas à igreja. Maria do Socorro da Silva, 27, está na fila do embarque para voltar ao Brasil, depois de trabalhar por 24 meses na Espanha. Geysa Maciel dos Santos Cruz, 23, procura uma casa para morar com o filho Carlos Ralf, de 8. Tudo não passa de desejo de familiares e amigos que ficaram na saudade. As histórias das quatro mulheres foram interrompidas um pouco antes do fim da gestação, da seleção das roupas, do início do voo, da formatura de Ralf. Gilmara, Fernanda, Socorro e Geysa estão mortas. Foram assassinadas de forma covarde em 1998, 2002, 2009 e 2011, respectivamente. Deixaram de viver por serem mulheres.
Maria Maciel mostra a foto de Geysa, a filha morta pelo companheiro há 10 dias.


Não são as únicas. Facadas, tiros, pedradas, golpes de foices e de machados foram os modos de assassinar 4,5 mil mulheres no ano passado em todo o Brasil. É fácil matá-las. Estupros coletivos, torturas psicológicas e físicas, negligência e discriminação — ora mascarada, ora pública — sufocam diariamente brasileiras. De todas as idades — desde a menina de dois anos estuprada e morta a golpes de enxada no interior do Ceará à senhora de 76 anos estrangulada pelo companheiro no Rio de Janeiro. E de todas as classes sociais.

A elevada proporção de mortes de homens — cerca de 90% das vítimas de homicídios — esconde o fenômeno do femicídio, ainda pouco estudado no país. O Brasil não produz estatísticas oficiais de homicídios por sexo, na contramão de países vizinhos que, além de monitorarem as mortes de mulheres, tipificam o crime em leis. Costa Rica, Guatemala, Chile, Colômbia e El Salvador incorporaram no ordenamento jurídico a definição do femicídio. México, Argentina e República Dominicana também estão discutindo alterações na legislação. Em toda a América Latina, o ritmo acelerado com que esses homicídios crescem e indicam o massacre por questões de gênero.

A série de reportagens “Fácil de matar”, que o Correio publica a partir de hoje, traça o novo cenário das mortes femininas no país. Estimativas obtidas pela reportagem apontam o aumento médio de 30% nesses crimes na última década. No Pará, chegou a 256%. Em Alagoas, 104%. A violência doméstica, sem resposta eficiente do Estado, apesar da aprovação da Lei Maria da Penha, persiste. Mas são cada vez mais comuns as mortes encomendadas por organizações criminosas, ligadas ao narcotráfico, às redes de exploração sexual e às máfias das fronteiras.

Durante os últimos dois meses, a reportagem buscou os crimes, as vítimas e identificou os algozes, todos homens. A covardia segue uma mesma lógica, fundamentada em repetidas violações de direitos. Ao longo da produção da reportagem, pelo menos 286 mulheres foram mortas no país. As tragédias — que serão contadas ao longo da semana — se perpetuam nas capitais, no interior e ultrapassam fronteiras, fazendo vítimas do outro lado do Oceano Atlântico. Em meio às histórias, uma mulher foi escolhida para dar voz às sobreviventes, reféns agora do medo. Tereza teve mais de 40% do corpo queimado depois de o marido derramar gasolina nela e atear fogo. Preso, ele não desistiu de matá-la.
Invisíveis

A dificuldade em mapear as informações é a primeira comprovação da invisibilidade do problema para o Poder Público. O levantamento feito pela reportagem considerou dados das secretarias de segurança pública, das polícias e dos movimentos feministas. Em média, 4,6 mulheres são assassinadas por 100 mil habitantes do sexo feminino, podendo mais que dobrar em algumas cidades. Os índices se igualam ou mesmo superam, sozinhos, a taxa total de homicídios, incluindo mulheres e homens, de países europeus ocidentais (3 a 4 por 100 mil), da América do Norte (2 a 6) e na Austrália (2 a 3). Em relação à América Latina, o Brasil perde apenas para lugares como El Salvador, Guiana e Guatemala, onde grupos de direitos humanos já atuam para reverter o caos provocado pelas mortes. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS).

As únicas informações oficiais disponíveis no Brasil são do Ministério da Saúde, com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Divergem, no entanto, dos números da segurança pública e são prejudicadas por subnotificações. A série histórica das certidões de óbito comprova o aumento dos homicídios no país. Passa de 3,6 mil em 1996 para 4 mil em 2006. O próprio governo critica os dados. A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, ligada à Presidência da República, ignora o fenômeno. Em nenhum dos pontos destacados pelo Plano Nacional de Políticas para Mulheres, a redução dos assassinatos aparece. Segundo a ministra Iriny Lopes, a prioridade é a prevenção da violência. As expectativas de reverter a matança recaem agora sobre a primeira mulher eleita para ocupar o Palácio do Planalto. Dilma Rousseff prometeu, no discurso de posse, “glorificar a vida de cada uma das brasileiras”.

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2011/04/17/interna_brasil,248216/facil-de-matar-serie-traca-o-novo-cenario-das-mortes-femininas-no-pais.shtml

Em defesa da cultura popular

Por Pedro Osmar

Conta a lenda que, um dia, quando perguntado sobre o que achava da onda do "forró de plástico" no país, Zé Ramalho teria dito: voce já imaginou quantas famílias estão sendo empregadas alí? E, curiosamente, Tomzé teria dito algo semelhante quando perguntado sobre o que achava da "axé music", e ele teria respondido: deixe os meninos brincarem...

Mas, concretamente, o que essa polêmica que está crescendo na grande mídia e na internet, fomentada pelas empresas que produzem essas bandas de forró de plástico, quer dizer? Que os jornalistas recebem dinheiro para fazer essa defesa o ano inteiro? Que o Chico César, cidadão, trabalhador, secretário de cultura do estado, não pode mais opinar sobre em que a sua secretaria vai precisar investir?

Uma coisa é certa: poucos, pouquíssimos jornalistas e produtores da Paraíba defendem os grupos de "forró pé de serra" da cidade o ano inteiro, o que certamente provoca uma baixa estima no mercado de trabalho para o artista local que gera uma grande preocupação do poder público (municipal e estadual) em atender essa parcela dos artistas paraibanos que amargam um nível de desemprego ou sub-emprego que é alarmante, fazendo com que os cachês desses artistas caiam para o nível da desmoralização profissional, fazendo com que a maioria não possa mais viver da arte que produzem.

Quando Zé Ramalho chama a atenção para a quantidade de famílias que tem "seu emprego garantido" na onda do forró de plástico, às voltas com os empresários sanguessugas que exploram esses artistas até a exaustão, o que dizer dos grupos de forró pé de serra que tem até de mendigar nas portas das secretarias de cultura para poder entrarem nas programações oficiais dessas instituições? Quem ficará do lado dos artistas que não são produzidos pela empresa SOMZOOM SAT do Ceará?

A Funjope, enquanto pensadora das atividades culturais da cidade de João Pessoa o ano inteiro, tem se ocupado de trabalhar com os grupos de forró pé de serra, e indo mais além, com as atividades da cultura popular, que englobam os violeiros repentistas, emboladores de côco, cavalo marinho, cirandeiras, rabequeiros, cordelistas, que fazem, desde que Ricardo Coutinho foi vitorioso na eleição para prefeito, a base da programação das festas do ciclo junino/natalino. Com certeza, nenhuma banda de forró de plástico foi programada desde que Ricardo Coutinho/Luciano Agra entraram na prefeitura, por uma questão de compromisso político com os artistas populares em sua defesa natural, por cidadania e trabalho para essa maioria que vive marginalizada pela indústria do entretenimento burguês.

Alguém dessa estrutura dos grandes espetáculos de forró de plástico sabe do que estou falando?

Estou falando de fazer a diferença, de defender os projetos de democracia cultural, de socialização e democratização dos meios, para que todos possam usufruir dos benefícios que uma política de responsabilidade administrativa pode criar e manter para apoiar e defender os nossos artistas populares. E tudo isso em nome de todos os mestres da cultura popular que ainda vivem na miséria e necessitam de amparo. Felizmente a cultura de João Pessoa (via Funjope, na presidencia de Milton Dornellas) e do estado (via SECULT, na presidencia de Chico César) tem conseguido manter o nível do compromisso com o desenvolvimento social da cultura.

Viva Chico César! Viva Milton Dornellas!

E VIVA O BRASIL! E chega de brincadeira!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Tem sexo o Direito?


JULIETA PAREDES - FEMINISTA BOLIVIANA

Por Mabel Dias

Tem sexo o direito? Esta foi a principal pergunta que norteou o curso “O sexo do Direito: uma introdução às criticas feministas das teorias e práticas do direito”, ministrado pelo professor e diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB, Eduardo Rabenhorst.
O curso de formação, que aconteceu na última sexta-feira (15) no auditório da Faculdade de Direito, Centro de João Pessoa, teve como objetivo oferecer um panorama das principais perspectivas feministas sobre o direito e sua prática. Esta é a primeira atividade em 2011 do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito (NEPGED), pioneiro no Brasil ao discutir tais questões, que também teve como proposta se aproximar das diversas organizações feministas existentes na cidade.
“Sou um homem feminista”, afirmou Rabenhorst, para uma platéia composta por alunas/os do curso de Direito, ativistas do movimento feminista local, advogadas/os, entre tantas outras pessoas que ficaram instigadas a participar, assim como curiosas com a iniciativa do curso e da criação do próprio Núcleo de Estudos em Gênero em uma Faculdade de Direito. Eduardo Rabenhorst disse que apesar do feminismo ser largamente difundido em toda a sociedade e das notórias contribuições que oferece a prática do Direito, ainda se depara com o preconceito, por parte dos próprios colegas do curso de Direito da UFPB, quando fala das atividades que tem realizado no NEPGED. “Para alguns, o feminismo é algo ultrapassado. O que assusta as pessoas é o potencial crítico do feminismo em relação ao que é visto como evidente ou natural, e como tal indiscutível e imodificável.”, revela o professor.
Segundo Rabenhorst, as principais transformações passadas pelo campo jurídico nas últimas décadas revelam que estas mudanças foram proporcionadas ou contaram com a atuação do movimento feminista. Entre estas mudanças, ele cita: a compreensão renovada da relação igualdade/diferença; questionamento da separação público/privado com a conseqüente reivindicação de interferência da justiça na esfera doméstica; defesa da idéia de que os particulares também podem violar direitos humanos; propositura de outras formas de solução de conflitos, e assim por diante. “Ora, como é possível que os juristas (ao menos em nosso país) tendam a perceber como negativa ou ameaçadora, uma forma de pensamento e de prática política que tão decisivamente contribuiu para a modificação do próprio direito, sobretudo no domínio da vida privada?”, questiona.
O curso “O sexo do Direito” foi dividido em quatro módulos: “Teria sexo o direito?”; “O feminismo e o direito”; “O debate teórico sobre sexo e gênero e sua incidência na teoria jurídica” e por for fim, “Políticas do direito: o feminismo como teoria/prática crítica”.
E você, cara/o leitora/o, ficou curiosa/o para saber se o Direito tem sexo?
Então, fiquem atentas/os aos próximos cursos que o Núcleo de Estudos de Gênero e Direito deve realizar em João Pessoa. Garanto que vale muito a pena participar!
O NEPGED fica no próprio prédio da Faculdade de Direito e tem em seu “altar”, uma foto da feminista francesa, Simone de Beauvior, que morreu há 25 anos.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Há uma luz no fim do túnel?

Fórum de Mídia é formado para debater banalização da violência em programas policiais de TV na PB

Por Mabel Dias
jornalista


No último sábado (09), o Sindicato dos Jornalistas da PB promoveu um debate sobre ética, sensacionalismo e banalização da notícia, no auditório da OAB/PB, em João Pessoa, onde discutiu-se a proliferação dos programas policiais de TV e a banalização da violência e dos problemas sociais, onde a vida humana nada vale, difundida por estes noticiários.
Durante o evento, foi criado um fórum sobre ética e mídia com o propósito de discutir mecanismos de controle social a estes programas, e assim, mudar este quadro de terror que vem sendo pintado diariamente na hora do almoço de milhares de famílias paraibanas.
Foi uma nutricionista, a cidadã Elaine Oliveira, que deu o primeiro passo ao escrever um texto chamando a atenção da sociedade e da imprensa paraibana para a produção destes programas no estado, e que tem gerado grande rebuliço entre os empresários da comunicação (insatisfeitos com a indignação da sociedade)e a própria classe jornalística. É no mínimo estranho que tenha sido uma nutricionista – com todo o direito de expressar sua indignação a tais programas, e não jornalistas, a escrever este texto. O Senhora das Palavras publicou o texto da nutricionista Elaine Oliveira. Sem falar na falta total de mobilização pela exigência do diploma por parte dos/as coleguinhas. O que tem gerado a contratação de pessoas sem nenhuma ética profissional nestas emissoras e em outros espaços, assumindo cargos de repórter e apresentador, só para citar algumas funções, sem nenhum preparo nem consciência do que é fazer jornalismo. E é claro que não fazem. A precarização do trabalho dos/as jornalistas é público e notório. É importante saber que as empresas de comunicação tem autorização do governo para usar os canais de rádio e televisão, mas não podem fazer isto de qualquer maneira. A concessão é pública e existem preceitos legais e constitucionais que precisam ser respeitados.
O Ministério Público Federal da Paraíba se mobilizou e está atento aos conteúdos e imagens veiculadas por estes programas, que vem promovendo uma “comunicação do grotesco”, como definiu em seu livro Muniz Sodré. Não podemos esquecer o jornal JÁ, que traz em suas páginas o corpo da mulher e a violência como a noticia-mercadoria, contribuindo assim para a prática da violência contra a mulher. Incrível como até agora, o sindicato nem outra instãncia de organização das/os jornalistas tomou alguma atitude em relação a este jornal.
Enquanto as ações concretas não vem, a população paraibana segue assistindo, em larga audiência, os noticiários que passam a mensagem de se fazer a justiça com as próprias mãos e de desrepeito aos direitos humanos. Como disse o jornalista Ivaldo Gomes “crianças e jovens ao ver a violência sendo banalizada começam a achar que isto é fazer jornalismo e esta forma de viver é a correta. Estes programas engordam ainda mais a violência vigente na sociedade”.
Nós que sempre buscamos fazer um jornalismo com qualidade e com ética, estamos atentos a estas iniciativas e esperamos que elas saiam do papel e possam mudar a atual situação em que se encontra “o jornalismo” na Paraíba.
Que a criação do Fórum de Ética e Mídia seja realmente uma instância onde todas/os aquelas/es que se sintam agredidos em seus direitos encontrem respaldo, promovam debates e mudem a situação das coisas. Só depende de nós.
Mas, se não houver movimentação por lá, que se acione o Judiciário. Em 2005, um grupo de entidades da sociedade civil de São Paulo fizeram uma representação ao Ministério Público Federal contra o programa "Tardes Quentes", da Rede TV!, apresentado por João Kleber, que fazia quadros ridicularizando homossexuais. o MPF acatou a representação e pediu à Justiça um direito de resposta coletivo. O resultado foi o programa Direitos de Resposta, que foi ao ar entre dezembro de 2005 e janeiro de 2006.

Inspiração: Cartilha Comunicar para não se trumbicar - lutando pelo direito humano à comunicação - Centro de Cultura Luiz Freire (PE)

terça-feira, 12 de abril de 2011

RedeTV! é condenada por brincadeira de jogar baratas em mulher

A liberdade de imprensa não pode ser confundida com agressividade e desrespeito com o cidadão. Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou a RedeTV! a pagar R$ 100 mil de indenização por “brincadeira” feita para apresentação de um quadro do programa “Pânico na TV”. A condenação teve por base filmagens em que um dos humoristas jogou baratas vivas sobre uma mulher que passava na rua.

O relator, o ministro Aldir Passarinho Junior citou trechos da decisão proferida pelo desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Caetano Lagrasta, que assinalou que a liberdade de imprensa não pode ser confundida com despreparo e ignorância, nem com agressividade e desrespeito, não só com quem assiste ao programa, mas com o cidadão comum. Ele reiterou que emissoras costumam apresentar vídeos dessa natureza, em total desrespeito aos direitos humanos. Protegidos pelo poder da divulgação e pressão do veículo, fazem com que os telespectadores façam parte de um espetáculo de palhaçadas, segundo ele.

A vítima da agressão sustentou que a “brincadeira” repercutiu em sua personalidade de maneira além do mero transtorno, como verdadeiro desgosto. Ela alegou que ficou impedida de trabalhar durante o período sob o impacto do terror repentino. “Brincadeiras não se confundem com as das características analisadas, causadoras de dano moral em elevado grau, onde incluído o dano à imagem e à privacidade”, afirmou ele. O constrangimento não se desfaz, para o ministro, com a utilização de mosaicos na imagem veiculada, posto que a vítima sofreu abalo quando feita a brincadeira.

A condenação havia sido fixada em 500 salários mínimos pelo TJ-SP. Mas, segundo o relator, a quantia era elevada. Esse valor é o que STJ geralmente arbitra para casos mais graves, como morte ou lesão física considerável, como perda de um membro em acidente de trabalho. O ministro ressaltou, entretanto, que o ato merece reprovação, quer pelo dano psíquico sofrido pela parte, quer pela ridicularização imposta à transeunte. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.


Fonte: Consultor Jurídico/SP

sábado, 9 de abril de 2011

Como anda a política de saúde mental no Brasil?



Por Mabel Dias

A Reforma Psiquiátrica no Brasil tem seu início nos anos 70, com o objetivo de oferecer um tratamento digno e humanizado àquelas pessoas que sofrem de transtornos mentais, eliminando gradualmente as internações visando à integração delas a vida em comunidade. Para substituir o sistema de internações nos manicômios foram criadas alternativas, como os Hospitais Dias, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), entre outros serviços, que pudessem oferecer melhores condições de tratamento e um acompanhamento adequado a cada paciente.

É sabido que muitas famílias abandonavam o parente que sofria de transtorno mental nos hospitais psiquiátricos. Algumas até faziam isto para ficar com dinheiro de aposentadoria ou outro beneficio que o doente recebia. Tais fatos geraram denúncias e ações de órgãos do Judiciário, como o Ministério Público, para que esta situação chegasse ao fim. Este abandono fez com que milhares de pessoas ficassem para sempre naqueles locais escuros, sujos, e sem nenhuma assistência, chegando até a morrer lá mesmo. Sabemos muito bem como as pessoas acometidas de transtornos mentais eram tratadas. O filme “Bicho de sete cabeças” ilustra bem esta realidade. Diante de todo este quadro e das situações precárias em que funcionavam os hospitais psiquiátricos, a reforma psiquiátrica era mais do que necessária acontecer.

Vários movimentos foram realizados para se mudar a prática da “hospitalização”, e em 2001, foi aprovada a Lei Federal de Saúde Mental (nº 10.216), que regulamenta o processo de saúde mental no Brasil. Porém, ao passo que a reforma aconteceu, os serviços alternativos que foram criados para atender estes pacientes, e dar-lhes condições de lidar bem com a doença e retornar ao convívio social normalmente, parecem não terem sido devidamente estruturados e os profissionais que lá trabalham não terem sido treinados para passar orientações adequadas às famílias.

Nos CAPs, por exemplo, o paciente que entra em crise, pode ficar lá durante o período de 7 dias, e em seguida volta para casa, mesmo que não esteja totalmente bem. Ele deve voltar ao serviço uma ou mais vezes por semana, para continuar pegando a medicação e participando de atividades terapêuticas para sua completa recuperação. As famílias, na maioria das vezes, não estão preparadas para cuidar de seus doentes. E não é fácil cuidar de uma pessoa com transtorno mental, principalmente, em crise. A esquizofrenia é uma das doenças mais difíceis neste rol. O poeta Ferreira Gullar tem dois filhos que tem a doença. Um deles já é falecido. O outro quando entra em crise, fica agressivo, e quando está bem, não quer tomar a medicação. A família pode ser responsável pela melhora como pela piora do paciente. E se não for devidamente orientada, e até acompanhada por psicólogos, na primeira oportunidade, procurará internar em algum manicômio seu parente. Ferreira Gullar, em entrevista à revista Época em 2009, dizia que não queria internar seu filho, mas que muitas vezes não tinha outro jeito, pois não sabia lidar com a situação. Por isto, como estes serviços alternativos podem também ajudar os familiares a cuidar de seus doentes, para que eles não recorram aos manicômios que trazem lembranças horríveis e que não vão resolver o problema?

Muitos profissionais dizem que quando o paciente adoece a família também adoece. Sendo assim, onde está o acolhimento e orientação a esta família doente, que quer cuidar de seu parente, mas que não sabe lidar com a situação?? Se os serviços como os CAPs, Hospitais Dias e outros que propõem um tratamento humanizado, não funcionarem adequadamente, o ciclo de internações que é combatido pela Luta Antimanicomial, pode voltar a acontecer. E aí todo o trabalho realizado, desde os anos 70, terá sido em vão. As políticas de saúde mental devem discutir e atualizar todos os meios de acesso da população às informações, visando melhorias para os usuários e facilitando o processo de inclusão e inserção social. Sendo assim, é preciso estarmos atentos para que aquilo que está no papel da Lei de Saúde Mental seja devidamente colocada em prática. Integralmente aos doentes, à família e a toda a sociedade.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Rede Feminista de Saúde considera Rede Cegonha retrocesso de 30 anos



Composta por um conjunto de medidas para garantir a todas as brasileiras, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e o parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê. As medidas previstas na Rede Cegonha abrangem a assistência obstétrica às mulheres – com foco na gravidez, no parto e pós-parto como também a assistência infantil (às crianças).

A Rede Cegonha contará com R$ 9,397 bilhões do orçamento do Ministério da Saúde para investimentos até 2014. Estes recursos serão aplicados na construção de uma rede de cuidados primários à mulher e à criança.

Mas para a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, a Rede Cegonha vê a mulher como "mulher-mala" [mãe e filho no mesmo cestinho].

“As cegonhas vão parir…tudo está resolvido! ”, ironiza a farmacêutica Clair Castilhos, professora do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que, seguida, desabafa. “É profundamente doloroso que tenhamos que criticar a formulação e implantação de um programa do Ministério da Saúde voltado para nós mulheres. E o mais irônico e melancólico é que isto aconteça precisamente no momento em que temos um governo presidido por uma mulher com valorosa e digna trajetória política.”

“O conceito trazido pela Rede Cegonha é um retrocesso nas políticas com enfoque de gênero, saúde integral da mulher e direitos reprodutivos e sexuais”, alerta a cientista social Telia Negrão, secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e diretora da RSMLAC, em entrevista exclusiva ao Viomundo.

“A ideia da Rede Cegonha desumaniza o evento reprodutivo, quando retira das mulheres o papel de trazedoras dos filhos ao mundo”, critica Telia. “Em consequência, elas deixam também de ser detentoras dos direitos reprodutivos. Adetentora será a cegonha.”

Detalhe: a Rede Cegonha foi lançada em 28 de março; no dia 22, a sua proposta foi apresentada numa oficina de trabalho no Ministério da Saúde às agências governamentais e agências de saúde das Nações Unidas, à Rede Feminista e a pessoas da Pastoral da Criança da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A seguir a íntegra da entrevista que Telia Negrão concedeu a esta repórter. Vale a pena a conferir, para entender o pano de fundo da Rede Cegonha, suas implicações e por que os movimentos de feministas e de saúde a estão criticando.


Por Conceição Lemes

Viomundo – Como a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos recebeu o anúncio da Rede Cegonha?

Telia Negrão – Como um retrocesso. É a concepção materno-infantil de saúde da mulher, que criticamos há cerca de 30 anos, pois é reducionista. Na verdade, na campanha eleitoral do ano passado nós tivemos um primeiro sinal nesse sentido.

Viomundo – Explique melhor.

Telia Negrão — Na campanha eleitoral do ano passado, a Rede Feminista, como fez em eleições anteriores, elaborou uma carta — A saúde das mulheres merece o teu voto — para os candidatos de todos níveis da disputa, deputados a presidente da Republica. Nela, reafirmamos mais uma vez o paradigma que defendemos há cerca de 30 anos no âmbito das políticas públicas de saúde: a atenção integral à saúde das mulheres, a garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos como parte dos direitos humanos das mulheres, o enfoque de gênero, diversidade de raça e de etnia.

Num determinado momento da disputa, porém, o aborto foi trazido para dentro da agenda da campanha eleitoral pelos setores conservadores, porque sabiam da posição da então candidata Dilma, que era favorável à descriminalização do aborto.

Foi feita toda aquela pressão para que ela recuasse na sua posição e garantisse uma postura o mais aproximada possível da concepção materno-infantil, que consideramos uma posição limitada da saúde das mulheres, porque não leva em conta os ciclos de vida nem a possibilidade de as mulheres não desejarem a maternidade. Esse foi o primeiro momento.
Depois, ainda durante a campanha, soubemos que Dilma, em visita ao Rio de Janeiro, conheceu um projeto denominado Rede Cegonha, um serviço de transporte de grávidas para ganhar o bebê, e se apaixonou pelo nome. Pelo menos, foi a informação que tivemos de dentro da campanha.
Soubemos também que os marqueteiros consideraram então Rede Cegonha um bom nome para a proposta da atenção às mulheres no período gestação-parto-puerpério, ou seja, o período gravídico puerperal. De forma que, ao final da campanha já se nota uma tendência à focalização da atenção materno-infantil em vez da atenção integral à saúde das mulheres. Ficou claro que corríamos o risco de nesse governo, frente às pressões dos setores conservadores, ser anunciada uma política com viés reducionista.

Viomundo – Mas esse período já é abordado pelas políticas públicas existentes no Brasil?

Telia Negrão – Sim. Temos o Plano Nacional de Humanização do Parto (PNHP) e uma norma regulamentadora, a RDC 36, que definem uma abordagem de como deve ser a atenção das mulheres no período gravídico-puerperal. Outras políticas juntas constituem a Atenção aos Direitos Reprodutivos das Mulheres, que engloba o planejamento reprodutivo, a anticoncepção de emergência, as políticas destinadas ao enfrentamento da violência sexual. Esse conjunto de ações chama-se Política Nacional dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos das Mulheres Brasileiras.

Viomundo – E o ministro Alexandre Padilha?

Telia Negrão – Nós tivemos audiência com ele em Brasília, em 13 de janeiro. Na ocasião, cobramos que o Ministério da Saúde reafirmasse a política de atenção integral à saúde e de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Também que retomasse a discussão de temas extremamente importantes, como a mortalidade materna, os abortos inseguros, a prevenção do HIV.
O ministro nos garantiu que essas políticas seriam reafirmadas, embora já soubesse que teria de estruturar a Rede Cegonha. Disse que estruturaria essa proposta a partir da visão de integralidade.
No mês de fevereiro, soubemos que a proposta da Rede Cegonha já estava sendo construída. Nós contatamos então o ministério e dissemos que gostaríamos de discutir já na sua elaboração.
No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, emitimos uma nota, dizendo que queríamos saber o conteúdo da proposta. Ou seja, vimos que o gato estava subindo no telhado.
Em 22 de março – o lançamento foi no dia 28! –, a Rede Cegonha nos foi apresentada numa oficina de trabalho no Ministério da Saúde. Além das agências governamentais e agências de saúde das Nações Unidas, estiveram presentes uma integrante do Conselho Nacional de Saúde, uma do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, representado pela Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva], a Rede Feminista de Saúde e pessoas da Pastoral da Criança da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. A presença da CNBB nos causou muito estranhamento.

Viomundo – Da sociedade civil só a Rede Feminista e a CNBB?

Telia Negrão – Sim, isso obviamente produziu em nós uma estranheza. E quando a proposta foi apresentada, de imediato reagimos com uma análise crítica. Dissemos que o que tinha entrado na proposta era muito bom, pois visa à redução dos índices de mortalidade materna e de sequelas no período gravídico-puerperal, que nos inquietam também. Mas o que nos preocupou foi aquilo que não tinha sido incluído na proposta. Afinal, se havia um diagnóstico, por sinal muito bom, para cada item, deveria haver uma proposta correspondente.

Viomundo – E qual o diagnóstico?

Telia Negrão – O primeiro ponto era o dado de aborto: 189 mil por ano. Na verdade, correspondem às curetagens realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS). E a estimativa de 1 milhão de abortos provocados por ano, feitos em condições inseguras, decorrentes de falta de acesso das mulheres ao planejamento reprodutivo, falha do método contraceptivo e não cumprimento da norma técnica do Ministério da Saúde de violência sexual. Essa norma define como deve ser feita a atenção aos agravos à violência sexual, incluindo o aborto, e cria serviços de atendimento.
Esse ponto, porém, não tem no programa apresentado, como correspondência, qualquer estratégia para garantir os serviços de aborto legal, tampouco qualquer estratégia com vistas à redução dos obstáculos para a realização da interrupção da gestação. Enfim, não há um enfrentamento correspondente a esse problema gravíssimo no Brasil.

Viomundo – Quer dizer, o Ministério da Saúde apresenta o diagnóstico 1 milhão de abortos provocados por ano, feitos em condições inseguras. Porém, paradoxalmente, quando vai tratar a questão se restringe à mulher que vai ter o bebê, não aborda a que não vai ter, é isso?

Telia Negrão — Exatamente. Não é uma política de direitos reprodutivos. É apenas uma boa política materno-infantil, pura e simplesmente para as mulheres que desejam ter filhos. As que não querem e engravidam, porque não conseguiram planejar ou o planejamento falhou, não são atendidas por essa política.
Portanto, o enfrentamento da mortalidade materna, um dos argumentos para a Rede Cegonha, não está baseado em evidências científicas. A política anunciada é só para as mulheres que querem filho ou aquelas que, mesmo que sem nenhuma condição, vão ter filho contra a própria vontade. Logo, não é uma política que considerou que há mulheres que engravidam e não desejam levar adiante aquela gestação ou que engravidaram em circunstâncias adversas à sua vontade.
Só que, no Brasil, desde 1983, quando foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher [se chamava PAIMS, agora PNAIMS], essa é a diretriz nacional de atenção à saúde das mulheres. Ela prevê que a atenção à saúde reprodutiva das mulheres tem de contemplar as que querem e as não querem ter filhos. Além disso, o Brasil é signatário de documentos internacionais, comprometendo-se com isso. Na próxima semana, haverá reunião em Nova York. O Brasil teria de estar lá, prestando contas.

Viomundo – Daí no início desta da entrevista a senhora ter dito que recebeu a Rede Cegonha como um retrocesso…

Telia Negrão – Infelizmente. Do ponto de vista de atenção integral à saúde das mulheres, que é nosso paradigma desde a década de 1980, a Rede Cegonha é reducionista, um retrocesso nas políticas de gênero, pois as mulheres deixam de ser sujeitas principais no evento reprodutivo, de estar no centro do processo.
Inclusive, a coordenação da Rede Cegonha é compartilhada com a área de atenção à saúde da criança e não tem como ponto de partida a saúde das mulheres. Há uma mudança no próprio foco da política de atenção à maternidade no Brasil, até então pautada por uma visão de direitos reprodutivos e que levava em conta a maternidade das mulheres que não queriam ter aquele filho. A da Rede Cegonha, não.

Viomundo – A doutora Fátima Oliveira diz que a Rede Cegonha traz no bojo a concepção mulher-mala, já vem tudo embrulhadinho no mesmo pacote.

Telia Negrão – (Risos). Nem mala nem cegonha. Nós achamos que esse conceito de Rede Cegonha é muito desumanizador. Ele retira da mulher o papel de sujeito do evento reprodutivo.
A caracterização materno-infantil sempre foi a mulher barriguda, com o peito cheio, e o bebê: mulher como sujeito reprodutivo, afinal a gestação se dá no corpo das mulheres.
Portanto, essa ideia da Rede Cegonha desumaniza o evento reprodutivo, quando retira das mulheres o papel de trazedoras dos filhos ao mundo. E ao retirar as mulheres como sujeito do evento reprodutivo, elas deixam de ser também detentoras dos direitos reprodutivos. A detentora será a cegonha.
A cegonha é um pássaro que não pertence nem à nossa fauna, europeu. Tudo vem prontinho, numa fraldinha, negando que a gestação é um processo humano, social, de nove meses vivido por mulheres. É um discurso muito antigo, mitificador, mentiroso, que não engana nem criancinha. Nem os bebês aceitam mais a velha cegonha. As crianças já sabem que o bebê vem da barriga da mãe.

Viomundo – E mulher-mala?

Telia Negrão – Esse conceito é emblemático,e eu não gosto dele. Nos remete a setores conservadores que não aceitam o direito de a mulher decidir sobre a sua gravidez. São contrários ao direito à interrupção da gestação. Consideram que as mulheres são apenas hospedeiras de fetos. É um argumento inclusive dos setores vinculados à Igreja Católica mais conservadora. É um conceito que vem no discurso dos setores que se dizem defensores da vida, quando, na verdade, são as mulheres que a defendem.
Acho horrível o conceito de mulher-hospedeira, porque retira das mulheres a capacidade de arbitrar, de exercer com autonomia as suas decisões. Assim como o conceito de mala que só carrega coisas dentro.
De modo que eu prefiro dizer que o conceito de Rede Cegonha é desumanizador, retira cidadania, retira direitos, quando as mulheres são simplesmente substituídas pela figura de uma cegonha.

Viomundo — A senhora acredita que esse conceito da Rede Cegonha decorra da interferência da Igreja Católica, como aconteceu na última eleição?

Telia Negrão – É possível. Eu preferiria acreditar que é um equívoco conceitual ou uma limitação da política pública, porque temo que o Estado brasileiro e as nossas políticas públicas estejam sendo influenciadas pelas igrejas conservadoras. Mas, infelizmente, parece uma sinalização da capacidade desses setores de influirem na política pública. E isso fere profundamente o caráter laico do Estado brasileiro.

Viomundo — O fato de na reunião de apresentação da Rede Cegonha a CNBB estar presente é um sinal de que se está ferindo o Estado laico?

Telia Negrão — A CNBB, ao lado de todas as agremiações religiosas brasileiras, tem direito de debater as políticas públicas. Agora, nós vimos com muita estranheza que apenas a CNBB estivesse representada naquela reunião, por que não as outras agremiações religiosas também?

As representantes da CNBB não emitiram nenhuma opinião. Apenas ficaram assistindo à troca de argumentos entre setores do governo brasileiro, o movimento de mulheres e as agências de saúde das Nações Unidas, como a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A OPAS se manifestou em defesa da integralidade, em defesa do cumprimento da plataforma do Cairo, de 1994, que tem uma abrangência maior do que aquela colocada no programa da Rede Cegonha.
A Rede Cegonha está muito aquém do Programa de População e Desenvolvimento, do Cairo, do qual o Brasil é signatário. O programa do Cairo prevê que as políticas públicas de saúde pública reprodutiva devam refletir a garantia dos direitos reprodutivos das mulheres. E os direitos reprodutivos das mulheres contemplam os direitos das mulheres que querem ter filhos e os direitos das mulheres que não querem ter filhos.

Viomundo – Se de um lado a Rede Cegonha vai possibilitar acesso a saúde de qualidade às mulheres que desejam ter filhos, de outro, ela ignora as mulheres que não querem. A senhora não teme que a sociedade passe a ver essa ação do movimento feminista como algo contra a população mais pobre, mais desassistida?

Telia Negrão — Não, porque quando defendemos que as políticas de saúde reprodutiva devam ser amplas, estamos falando da grande maioria da população, não estamos falando dos direitos das feministas.
Não são as feministas que abortam. Aliás, as mulheres que se declaram feministas possivelmente são as que menos abortam, porque que têm acesso à informação e grande parte delas, aos insumos de saúde reprodutiva. Leia-se métodos contraceptivos.
As mulheres que têm as gestações não desejadas são as que necessitam SUS. São aquelas que não encontram no SUS informação, acesso a todos os insumos de planejamento reprodutivo. São aquelas que quando precisam fazer aborto, vão fazer aborto inseguro na aborteira ou na clínica clandestina. As outras mulheres, as que têm voz, quando precisam fazer aborto, procuram um hospital seguro. Eu, como pessoa privilegiada, se precisasse fazer um aborto, procuraria um bom hospital e pagaria para não correr o risco de morrer, porque é assim que funciona o aborto no Brasil.
As mulheres que têm dinheiro vão fazer o aborto nas clínicas mais sofisticadas e mais seguras. Quem precisa do SUS para planejamento familiar, anticoncepção de emergência e abortamento, são as mulheres pobres, as trabalhadoras brasileiras.

Então, nós não estamos nos distanciando das mulheres comuns do Brasil. Na verdade, a gente está mostrando que tem um outro lado, que é o direito de não ter filhos.

Existe um medicamento que se chama misoprostol – o famoso Citotec — , que pode diminuir o sofrimento de uma mulher que não quer ter filho com algumas pastilhas. No entanto, a venda desse medicamento em farmácia está proibida no Brasil. Ele só pode ser utilizado em hospital com receita médica . No entanto, se eu tiver dinheiro, eu compro e tomo esse medicamento. Temos um grave problema de justiça social no país.
Consequentemente, eu acho que nós temos uma agenda ampla a ser debatida no Brasil, que é mais do que melhorar as condições para as mulheres terem filhos. É oferecer às mulheres a possibilidade de terem os filhos que quiserem, quando quiserem, como quiserem, com quem quiserem, sempre nas melhores condições.

Viomundo – A Rede Cegonha é reducionista mesmo…

Telia Negrão — É uma visão reducionista dos direitos reprodutivos e da própria saúde saúde reprodutiva, que é mais do que o direito de ter filhos. É o direito de ter ou não filhos.

As mulheres foram substituídas por um mito, o pássaro que carrega o bebê prontinho, comprometendo o próprio sentido da atenção humanizada no pré-natal, parto e puerpério. Uma subestimação dos avanços conceituais no campo dos direitos reprodutivos, como direitos humanos, infantilização do processo reprodutivo centrado no bebê. Portanto, uma desumanização simbólica da política de saúde da mulher.

Viomundo – E agora?

Telia Negrão — Nós tivemos a garantia do Ministério da Saúde de que teremos 90 dias para continuar conversando sobre o conteúdo e a estratégia da Rede Cegonha. Estamos aguardando o recebimento do documento com a política como efetivamente foi anunciada. Em cima dele, elaboraremos propostas para a melhoria desse programa. Defendemos que essa política após sua versão definitiva ou na versão atual seja encaminhada para discussão no Conselho Nacional de Saúde e no Conselho Nacional de Direitos da Mulher.

Viomundo — O ministro Padilha concordou?

Telia Negrão – No dia 22 de março, a nossa conversa não foi com o ministro, que estava em Belém (PA), anunciando um programa nacional de câncer cérvico-uterino e de mama, que nós saudamos.

Na verdade, saudamos duas grandes iniciativas: o posicionamento da presidenta Dilma sobre violência no dia 8 de março e a prioridade para o câncer.

Quanto ao programa de saúde reprodutiva, nós queremos que ele seja ampliado com a visão de saúde integral. Queremos a reafirmação do compromisso do governo brasileiro com a política de atenção à saúde integral das mulheres e o fortalecimento da área técnica de saúde da mulher. Essa é a nossa agenda.

Viomundo — Do jeito que foi apresentado não é o caminho?

Telia Negrão — Nós achamos, insisto, que reduziu o foco de um problema que é muito mais amplo do que foi abordado.

Desde 2006, quando foi criado o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, nós nos colocamos como defensoras de uma abordagem integral da problema mortalidade materna no Brasil. Isso significa abordar não só as causas obstétricas, mas também as vinculadas às desigualdades de gênero, ou seja , a violência contra as mulheres.

No Rio Grande do Sul, a violência é a primeira causa de morte de mulheres no período da gestação e do puerpério. É também em Porto Alegre. Daí defendermos que a mortalidade materna seja vista dentro de visão mais ampla.

A forma como foi anunciada a Rede Cegonha, não ficou claro qual será o papel do Pacto Nacional , que foi a estratégia estabelecida para enfrentarmos e atingirmos as metas do milênio em relação à mortalidade materna. Infelizmente, a continuar apenas a visão obstétrica da Rede Cegonha, o Brasil não atingirá essas metas.

Leia aqui o pedido da doutora Clair Castilhos à presidenta Dilma para que ouça as mulheres em relação à Rede Cegonha.

Leia aqui o artigo da doutora Fátima Oliveira sobre as práticas zooterapêuticas.



Fonte:http://www.viomundo.com.br/entrevistas/rede-feminista-de-saude-rede-cegonha-e-um-retrocesso-de-30-anos-nas-politicas-de-genero-saude-da-mulher-direitos-reprodutivos-e-sexuais.htm

terça-feira, 5 de abril de 2011

Os programas policiais na PB e o desprezo à vida



por Elaine Oliveira
Nutricionista


A TV paraibana nunca foi tão ridicularizada. As mortes transmitidas das 12 às 13h, que já eram prato principal dos almoços de muitos paraibanos "vidrados" no Correio Verdade, agora estão do jeito que o jornalismo imprudente sempre sonhou: as pessoas riem da desgraça alheia e a bandidagem ainda vira melô, hit musical...
Pois é, as novas "celebridades" do jornalismo local não são reconhecidos por seu trabalho sério e competente em informar...não, são vistos pelo Brasil como repórteres que elevam a Paraíba...são reconhecidos em toda a parte, mas, como o próprio Portal Correio anunciou em 2010, " Agora, toda a Paraíba vai ver e conhecer a força, a alegria e a irreverência de Samuca Duarte e Emerson Machado." É mesmo uma pena que estivessem falando de um programa policial...
Sucesso no you tube, orkut e afins, a "dança do mofi" é unanimidade: agrada tanto aos cidadãos de bem quanto aos bandidos. As crianças, incentivadas até mesmo pelos pais, colocam a camisa na cabeça e com os braços para trás dançam e aumentam a popularidade do jornalismo que todas as tardes ri da falta de consciência de uma população que já acostumada com a impunidade, resolveu aceitar que ela virasse piada.
Tratados como "amigos" (já que são a audiencia), os criminosos até gostam das brincadeiras, afinal de contas, nem é assim tão grave o que eles fazem...
...
Para mim, parecia que já tinham usado e abusado de todas as armas do sensacionalismo, mas mostraram que não: no dia 31 de março o telejornal foi transmitido em pleno Mercado Público de Mangabeira, e é claro, com direito a palco e plateia. A cada notícia de mais uma entrada no Hospital de Emergência e Trauma ou de uma briga em bar que acabava em morte, uma música era tocada pela banda que estava participando do Caravana da Verdade. Lágrimas, perdas e outras tristezas que merecem respeito (seja por quem for), viraram show. Um show desejado e aclamado por muitos telespectadores. Ah, a ideia contraditória e doentia da contratação da banda foi anunciada no prórpio Portal Correio, com as seguintes palavras:" A Banda Identidade Baiana realizará um show para animar ainda mais o evento, das 11h às 14h."
Samuka Duarte, Emerson Machado ( Mô- fi), Marcos Antonio (O Àguia), Josenildo Gonçalves (O Cancão da Madrugada) e toda a equipe de edição do Correio Verdade conseguem, dia após dia, tornar animadas as refeições de paraibanos que não se importam em almoçar frente às cenas de corpos perfurados e poças de sangue humano. Creio que não conseguem, com a mesma eficácia, tornar menos dolorosa a sina de uma mãe que sente a dor de ter um filho que agora é presidiário, de parentes de uma criança que morreu acidentalmente ou de um pai, que vê seu filho destruído pelas drogas, morto e servindo de audiência para um programa de humor chamado Correio Verdade.
Não sou jornalista. Sou nutricionista, mas antes disso, cidadã. Incomodada com o desprezo explícito à vida humana senti a obrigação de pedir a todos os meus contatos que repensem seus valores de respeito e dignidade à vida sempre que pensem em assistir esse e outros programas que indiquem sinais tão fortes de insulto a nós, telespectadores. Insulto a nossa capacidade e direito de exigir jornalismo de qualidade em palavras e atitudes.
Quanto mais as pessoas se conscientizarem dos "pequenos" males que nos envolvem com graça e alguns risos com gosto de sangue, mais chance teremos de exercer e usufruir daquilo que chamamos de cidadania. Merecemos mais respeito.